17 dezembro 2018

Os primeiros estágios após a morte - Exu Calunguinha (Norberto Peixoto)


"A alta plasticidade do mundo astralino responde com a força correspondente dos elementos, na mesma intensidade de reação à ação mental de seus habitantes. Criam o caos que, por influxo reorganizativo de Exu, imprime-lhes a decantação de suas negatividades e os empurra para fora de seus infernos pessoais."

Quando você morre, sua consciência entra numa dimensão sem tempo. O relógio não serve para nada. O que sobrevive e pensa não é medido e controlado pelo tique-taque dos ponteiros, não fica mais velho com o nascer do Sol a cada dia. O ser que pensa é imortal, não se atrasa ou se adianta na criação. Cada indivíduo tem o seu ritmo próprio e a pressa no aperfeiçoamento é como o carpinteiro que talha com precisão matemática a madeira, mas a peça final é sem utilidade. Você tem urgência de ser perfeito e evoluir, faz a caridade ardentemente desejando se "salvar"? Meu caro, você tá enroscado!
O móvel talhado pode ter sido feito em madeira que dá cupim e terá que ser refeito. Você renascerá, até a madeira ser boa. Se todos morressem e tivessem bons pensamentos, não haveria tantos Exus do lado de cá. A consciência ao se deslocar da cabeça de cada defunto continua ininterruptamente influenciada pelo pensar, ato inseparável, como a carroça que não anda sem o cavalo.
A mente profunda e metafísica, na periferia da percepção do estado ordinário de vigília, arquiteta os tipos de pensamento que os zumbis ligados às máquinas em rede virtual os têm, percepção ao redor de si e com isso lidar com o outro, perseguir suas metas, planos e aspirações em sociedade. Não basta existir. Você não é um animal irracional, ao menos não deveria ser.
Reflita a respeito! A força das marés faz as ondas beijarem a areia das praias. O Eu Real, imortal, movimenta as ondas mentais até a consciência,  fazendo que o pensar tome conta do ser. Os condicionamentos emocionais, os escapes da personalidade com suas escoras psíquicas disfarçam as intenções do ego, cristalizadas em medos e recalques alimentadores dos sentimentos negativos, estabelecem a petrificação dos padrões de condutas recorrentes - o modo de ser atávico, tal qual o filhote de pardal será sempre um pardalzinho.
Preste bem atenção! O que acabei de dizer vai plasmar a forma do local em que a consciência do novo cadáver acordará deste lado.
O que não foi realizado na Terra repercutirá aqui. Meu caro, você é o que é, simples assim, sem tirar nem por, seja onde estiver no eterno presente.
Por isso a metáfora da pedra no provérbio, Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que atirou hoje. Entendeu? Caiu a ficha na cachola?
As primeiras impressões, quando você acordar aqui, estarão fortemente relacionadas à desintegração da energia vital acumulada durante sua estada no corpo físico emprestado.  Sim, um empréstimo! Perceba que ninguém é proprietário de coisa alguma na Terra, nem dos carcomidos ossos nos cemitérios. Que tipo de vibração você atrai para si?  
Qual estrutura energética prepondera no seu corpo etérico?
A resposta é o seu endereço do lado de cá.
A maioria é fortemente apegada às coisas materiais, aos gozos e deleites das sensações. Naturalmente, o que o espírito sente nas entranhas quando ocupa o físico vicia-o o do que lado  de cá. Falta lhe a fumaça quentinha do cigarro consolador de suas carências, o drinque amigo que acalma as ansiedades, a comida farta que lhe apura o paladar e sacia a fome animalesca. A palavra apimentada, o torpor das piadas risonhas, a ganância, o reconhecimento, as vitórias, os troféus sociais... Os desejos não satisfeitos, pela ausência do corpo físico, multiplicam-se por cem nas entranhas sensíveis do corpo astral descarnado.
O período de liberação das sensações do antigo corpo físico pode se prolongar ao infinito. Não existe urgência, não há pressa, não se atrasa ou se adianta aqui. O devir acompanha o espírito sempre, sempre, sempre. O tempo é o tempo do agora, do que cada um se tornar. O que virá de encontro a si, bem-aventurança ou infortúnio, mero reflexo do que se é, nada mais.
Ao despertar, a consciência será atraída para as formas astrais afins com o seu modo de pensar, ser e sentir. A localização depende de cada um, assim como as moscas são atraídas pelas fezes e os beija-flores pelo néctar. Os apegos, gostos, aversões e simpatias, vibrantes estados d'alma, petrificados como pedregulhos na montanha do ego, serão a força motriz que movimentarão as moléculas do éter astralino e moldarão a nova casa da existência, assim como o pintor que dá a última pincelada na tela acabada. Nada se perde e tudo são afinidades, semelhança e atração no Plano Astral.
Dado que os senhores aí da Terra, em sua maioria, saem dos paletós de carne em condições precárias, os primeiros estágios após a morte são de extremo sofrer. Refiro-me ao senso comum dos homens, sem querer generalizar. Observe que numa mesma ninhada, haverá filhotes de pássaro que voarão mais fácil que outros. Nem todos sobreviverão. Ter as asas cheias de penas não garante a sobrevivência, e as asas da imaginação e vontade da mente podem "matar" o recém-nascido nestas bandas, aprisionando-o numa concha astral que ele mesmo criou. O passarinho volta para a gaiola. Não sabe voar! Falo por símbolos e metáforas em alguns momentos, para me fazer entender melhor. As formas pensamentos agem como ondas selvagens. Engolem o incauto que caiu do barquinho da frágil existência humana sem salva-vidas.
Os Senhores Regentes dos elementos planetários, no aspecto sobrenatural de seus raios de ação, estão sob irradiação na cabeça de todos nós, em potente influxo organizador das vidas que estagiam não só aqui, mas em todo lugar, sejam elas quais forem e onde estiverem. Como espelhos que refletem nosso ser interno, indivíduos afogueados, de temperamentos quentes, irascíveis e destemidos impulsivos, controladores e dominantes, serão cercados por forças instintivas etéricas do fogo. Ficarão em locais áridos, secos, tórridos, por vezes entre brasas e fumaças nauseabundas. A palha seca incendeia rapidamente, mas a lenha não. A condensação do éter ígneo age decantando o psiquismo das mentes crepitantes, na exata necessidade particular.
Quando o individuo usou demais o seu poder mental, pelo intelectualismo aviltado na magia em proveito próprio, dominando outros pelo conhecimento de mandalas e invocações, explorando os menos favorecidos, espíritos serviçais e os elementais da natureza, o poder eólico dos Orixás movimentará ventanias os , raios  e trovões,  em conformidade ao novo morador, potente mago de outrora. Faço alerta, cuidado com as ditas apostilas de magia. Não se compra um manual para se tornar um mago. Os velhos e adestrados Exus do lado de cá, são calejados em saber que toda a magia superior tenciona beneficiar o coletivo. Mentes egoístas viciadas em ritos magísticos, adquiridos em receitas de bolo, condicionam os elementos e se vinculam às suas forças instintivas etéricas. Descontroladas não lhes desgrudarão das auras após a morte física.
Tema controverso: a banalização dos saberes que deveriam ser transmitidos em ritos de iniciação por dentro dos terreiros umbandistas. Não justifica dizer que certos "pais de santo" não ensinam(a maioria ensina no tempo certo) para "burlarmos" uma ética e tradição com o fim de "democratizarmos" estes ensinamentos sem quaisquer pré-requisitos dos interessados, qual não seja a paga R$ dos mesmos. Existe uma iniciativa de se desconstruir o pertencimento aos terreiros e valorizar as pessoas que "ensinam" nestas ditas apostilas, uma clara exaltação ao ego individual e não ao senso coletivo, às comunidades.
Se Exu ficou dezesseis anos na Casa de Oxalá para ser consagrado Guardião da Encruzilhada em frente à sua morada, como podem as humanas criaturas serem tão impacientes?
Querem tudo rápido, de preferência sem nenhum esforço. São tantas as solicitações e ritos apostilados que, se verdadeiramente Exu fosse evocado, faltaria axé, assim como falta gás no fogão para atender muitas bocas esfomeadas. Feito o alerta, voltemos para o nosso tema.
Pessoas demasiadamente materialistas, apegadas aos bens terrenos, ambiciosas e avarentas, exploradoras de empregados e sempre levando vantagens mercantis em tudo que fazem, acumuladoras de riquezas e poupanças, ativarão a força telúrica e assim decantarão o hipnotismo às posses das moedas, forjando para si um mangue de lama pútrida, com caranguejos a pinçar os sentidos entorpecidos para a dor alheia. Há que se aguardar o tempo certo para as sementes da humildade e do perdão germinarem, tal qual o caroço do abacate enterrado brota em busca da luz solar.
Os lamurientos e vítimas do destino, que viveram reclamando e ansiando por sentirem dó de si mesmos, mentes viciadas na autocomiseração manipuladora, estarão em locais úmidos, chuvosos, gélidos e preenchidos de neblina, pisando em poças de águas rasas que emitem ecos de vozes chorosas dissimuladoras, vindas do alto-falante da consciência dos próprios novos mortos, que caminham penosos. Trouxemos algumas narrativas, reais, para demonstrar que nada se perde do lado de cá. As humanas criaturas esquecem ou ignoram completamente que são potencialmente criadoras.
A alta plasticidade do mundo astralino responde com a força correspondente dos elementos, na mesma intensidade de reação à ação mental dos seus habitantes. Criam o caos que, por influxo reorganizativo de Exu, imprime-lhes a decantação das suas negatividades e os empurra para fora de seus infernos pessoais.
Feita a purificação purgatorial, resta a retificação dos destinos. Ah tá! Isso é outra história. Continuem lendo os próximos capítulos, que não fazem parte de uma novela fantasiosa ou romance ficcional. Expomos nesta obra, como punção que extirpa o pus da ferida, um recorte da vida real, sem paixões que aprisionam ou dogmas ilusórios, tão comuns na breve estada de vocês no palco do teatro pueril das fantasias terrenas.



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